quinta-feira, 13 de maio de 2010

A EDUCAÇÃO FISICA NO ENSINO MÉDIO: PRÁTICA ESPORTIVIZANTE? (continuação II)

Desta forma, segundo o MEC, o processo de esportivização da Educação Física construiu modelos de aulas baseados na iniciação e no treinamento esportivo. No tocante ao Ensino Médio as aulas pautavam-se por:

a) ensino de gestos determinados pela performance de alguns atletas; b) fixação do gesto, assimilado pela repetição; c) aprimoramento técnico e tático; d) formação de equipes para competições. Ou seja, o objetivo era único: ser atleta em algum nível técnico possível em qualquer conteúdo da Educação Física (BRASIL, 2006, p. 231-232).

Ao estabelecer tais reflexões sobre a desportivização das aulas de Educação Física, nota-se a preocupação do MEC em dar um novo direcionamento às suas aulas, possibilitando a efetivação do preconizado pelos PCNs, os quais vislumbravam a reaproximação dos alunos às aulas de Educação Física de forma lúdica, educativa e que contribua para o processo de aprofundamento dos conhecimentos na área (BRANDL, 2003).
Isto não quer dizer que o esporte deva ser excluído das aulas de Educação Física, o que tem que haver é uma dosagem, isto é, um equilíbrio maior na utilização deste conteúdo. E, mais ainda, que o esporte deixe de ser a finalidade da Educação Física e passe a ser um dos meios de transmissão dos seus conhecimentos. Para a pesquisadora Carmem Elisa Henm Brandl (2003, p. 72)

O esporte deve ter seu espaço nas aulas de Educação Física, porém através de uma proposta que atinja todos os alunos e não somente os mais habilidosos. A aula não é espaço para treinamento de equipes, este espaço poderá ser garantido através de atividades extracurriculares, permitindo que os maiores interessados possam exercer atividades de sua preferência.

Esta pesquisadora defende, ainda, que os conteúdos a serem trabalhados pela Educação Física devam ser atinentes aos conhecimentos da Cultura Corporal, ou seja, que o aluno durante as aulas possa ter um conhecimento histórico, sociológico, antropológico, biológico..., que ele possa conhecer e experimentar o corpo em todas as suas dimensões.
Tal posição não diverge da adotada pelos PCNs, que buscam estabelecer uma integração da Educação Física com as demais disciplinas que compõem a estrutura escolar, sem, no entanto, desmerecer suas especificidades. Suraya Cristina Darido (2001, p. 15) ao refletir sobre os PCNs, fez a seguinte constatação:

Eleger a cidadania como eixo norteador significa entender que a Educação Física na escola é responsável pela formação de alunos que sejam capazes de: - participar de atividades corporais adotando atitudes de respeito mútuo, dignidade e solidariedade; - conhecer, valorizar, respeitar e desfrutar da pluralidade de manifestações da cultura corporal; - reconhecer-se como elemento integrante do ambiente, adotando hábitos saudáveis relacionando-os com os efeitos sobre a própria saúde e de melhoria da saúde coletiva; - conhecer a diversidade de padrões de saúde, beleza e desempenho que existem nos diferentes grupos sociais, compreendendo sua inserção dentro da cultura em que são produzidos, analisando criticamente os padrões divulgados pela mídia; - reivindicar, organizar e interferir no espaço de forma autônoma, bem como reivindicar locais adequados para promover atividades corporais de lazer.

Como se pode perceber, são muitas as competências e habilidades a serem desenvolvidas nas aulas de Educação Física, entretanto, após 11 anos de construção da LDB 9394/96, de mais de uma década de debates sobre diversas concepções de Educação Física e mais de meia década de constituição dos PCNs, ao que parece, o esporte continua sendo conteúdo hegemônico nas aulas deste componente curricular. No que diz respeito especificamente ao Ensino Médio, isto fica mais evidente, pois este grau do ensino se caracteriza também como uma “porta” de passagem para a Universidade e, diante desta realidade, a Educação Física, como uma forma de se legitimar neste ambiente “alheio aos seus conhecimentos”, utiliza-se do esporte para tentar atrair alunos. (continua)

domingo, 9 de maio de 2010

A EDUCAÇÃO FISICA NO ENSINO MÉDIO: PRÁTICA ESPORTIVIZANTE? (continuação)

Todas as concepções referidas anteriormente viam o esporte como um elemento da Educação Física e buscavam, algumas delas, alternativas para a sua utilização retirando desta prática o seu caráter excludente, seletivo. A concepção crítico-superadora, por exemplo, colocava o esporte no rol dos elementos a serem trabalhados pela Educação Física como um componente da Cultura Corporal. No entanto, nesta concepção o trato dado ao esporte ganharia uma nova dimensão, deixando de ser uma prática irrefletida, passando a discutir e questionar os componentes desta prática social, confrontando, sempre que possível, os conhecimentos do senso comum com os conhecimentos científicos. Em uma outra vertente, a concepção da Aptidão Física estabelecia uma crítica aos professores que pautavam sua prática no ensino das modalidades esportivas, pois tais atividades não teriam grande influência na promoção da saúde (GUEDES & GUEDES, 1996). Para NAHAS (1997) o direcionamento da Educação Física no Ensino Médio seria o de estabelecer uma relação entre a atividade física, a aptidão física e a saúde.
Para GUEDES & GUEDES (1993, p. 4):

Tradicionalmente os programas de educação física escolar tem procurado privilegiar as atividades voltadas a prática de esportes, seja de forma competitiva ou recreativa, com a falsa idéia de que a prática de esportes possa assegurar que as crianças e jovens, no futuro, se tornem pessoas adultas ativas fisicamente, e, portanto, mais saudáveis (...) Através desses programas, a nova função proposta aos professores de educação física, seria a de assumirem um novo papel frente a estrutura educacional, procurando adotar em suas aulas, não mais uma visão de exclusividade a prática desportiva, mas, fundamentalmente, alcançarem metas em termos de promoção da saúde, através da seleção, organização e desenvolvimento de experiências que possam propiciar aos educandos, não apenas situações que os tornem crianças e jovens mais ativos fisicamente, mas, sobretudo, que os conduzam a optarem por um estilo de vida ativo quando adultos.

Apesar de todo o discurso em prol da promoção da saúde, nas sugestões de conteúdos para os Ensinos Fundamental e Médio, os autores estabelecem a prática de competições esportivas, enfatizando que os objetivos deste conteúdo seriam a organização e administração de equipes e a realização de torneios esportivos, ou seja, ao que parece a inserção do esporte como conteúdo programático nesta concepção é feita sem que haja uma relação com os objetivos defendidos.
Além das diferentes concepções citadas anteriormente, após a publicação da LDB 9394/96, confeccionou-se um documento denominado de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), com o intuito de colaborar para a construção de propostas pedagógicas por parte das escolas e, ainda, contribuir para uma melhoria da prática docente. Os PCNs relativos à Educação Física também tentaram romper com a relação estabelecida entre esta disciplina e a prática esportiva. O Ministério da Educação (MEC) em suas “Orientações para o Ensino Médio” afirma:

... somos obrigados a reconhecer que, analisando o contexto e o cotidiano escolar, inclusive ouvindo os participantes dos seminários, a forma como os conteúdos são tratados nas escolas nas últimas décadas acabaram por torná-los formas esportivas/competitivas por excelência, deixando em segundo plano outros temas e perspectivas de formação próprios da Educação Física (BRASIL, 2006, p. 230).

O documento do MEC ainda desfere severas críticas ao processo discriminatório que este modelo de Educação Física produziu nas escolas, pois, ao enfatizar a prática esportiva, fazia-se uma seleção dos melhores, ou seja, é a consolidação da exclusão dentro do ambiente escolar. O texto faz ressalvas à utilização de discursos como: “Esporte é vida”, “Esporte é saúde”, “Esporte sim, drogas não”, pois eles servem como um anteparo para a massificação desta prática na escola via Educação Física. (continua)

sábado, 8 de maio de 2010

A EDUCAÇÃO FISICA NO ENSINO MÉDIO: PRÁTICA ESPORTIVIZANTE?

Pensar a Educação Física é, certamente, refletir sobre as formas sistematizadas de cuidado com o corpo, que tiveram como locus privilegiado o espaço escolar. Desde o século XIX direcionaram-se políticas com o objetivo de tornar o corpo mais saudável, foi o chamado movimento higienista. Somado a isto, estava a intenção de forjar uma raça “melhorada”, o que se denominou de eugenismo. Foi a escola um dos principais agentes propagadores destas ações, principalmente a partir do advento dos Grupos Escolares.
No início do século XX, os discursos higienistas e eugenistas ainda eram muito fortes e, alicerçada neste pensamento a ginástica (Educação Física) consolidou-se como um elemento importante na formação escolarizada. Durante toda a República Velha, a ginástica se fez presente no âmbito escolar através da aplicação de diferentes métodos: sueco, francês, alemão, dentre outros. Contudo, a partir da década de 30 do século passado, o esporte começou a estabelecer-se como um conteúdo da Educação Física. Foi nesta mesma época, de nacionalismo exacerbado, que o Presidente Getúlio Vargas “elevou”[1] a Capoeira ao posto de “ginástica nacional”.
A partir deste momento, o entrelaçamento entre a Educação Física e o Esporte vai se tornando cada vez mais forte. Apesar de entender que esta junção variou muito a depender da região e do estado, é comum encontrarem-se fotos de equipes esportivas em diferentes arquivos escolares espalhados pelo país.
Pode-se afirmar, entretanto, que a partir da segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a 5692/71 e, principalmente, com o Decreto 69450/71, consolidou-se uma verdadeira simbiose entre a Educação Física e o Esporte. Com o referido Decreto, o projeto político-pedagógico para a Educação Física no Ensino Médio[2] enfatizava o Esporte de competição como conteúdo hegemônico da Educação Física. Desta forma, no Ensino Fundamental priorizou-se a recreação, os jogos pré-esportivos, a iniciação esportiva e, no Ensino Médio, a formação de equipes e o treinamento esportivo.
Esta política voltada para a Educação Física, principalmente no Ensino Médio, estava calcada no sucesso alcançado pelos Jogos Escolares Brasileiros (JEB’s) e os Jogos Universitários Brasileiros (JUB’s). A esportivização da Educação Física foi tão flagrante nesta época que a prática esportiva via Educação Física foi inserida no meio universitário através da obrigatoriedade da prática desta disciplina em todos os cursos de nível superior.
A partir da década de 70, com a massificação das coberturas esportivas e a ampliação do seu mercado em termos comerciais, esta prática social ganhou dimensões que ultrapassaram o de prática desinteressada, de lazer, abarcando contornos gigantescos, consolidando-se como uma instituição social.
A escola passou a ser vista como um “seleiro” de novos atletas, o local adequado para a formação de um “país olímpico”. Com isto, a Educação Física passou a ficar cada vez mais refém da prática esportiva. Profissionais e intelectuais preocupados com a dimensão que o esporte tomava no espaço escolar passaram a desferir severas críticas a este encaminhamento. Alguns asseveravam, utilizando-se do pensamento marxiano, que o esporte era o “novo ópio do povo”, pois ele levava a população ao estado de alienação.
No início da década de 90, vários foram os profissionais da Educação Física que escreveram sobre o assunto, a exemplo de Mauro Betti (1995) e Valter Bracht (1992). Este último dizia que a criança ao praticar esportes aprendia a respeitar as regras do jogo capitalista[3]. Ainda nesta década a aprovação da LDB 9394/96 e a inserção da Educação Física como um componente curricular integrado à proposta pedagógica da escola trouxeram novas perspectivas de atuação.
A década de 90 viu pulular, ainda, novas concepções para a Educação Física: crítico-superadora, a partir da escrita do livro Metodologia do Ensino da Educação Física (1992) tendo como elaboradores Valter Bracht, Micheli Ortega, Celi Tafarel, Carmem Lúcia Soares, Elizabeth Varjal e Lino Castelani Filho; a desenvolvimentista, tendo por principal articulador Go Tani; a crítico-emancipatória de Elenor Khunz; a de aulas abertas de Heiner Hildebrandt; a da aptidão física com Dartagnan Pinto Guedes, dentre outras.
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[1] Digo elevou, pois a Capoeira até então era uma prática marginalizada, inclusive considerada a sua prática contravenção pela legislação vigente.
[2] Utilizarei aqui as nomenclaturas dadas pela LDB 9394/96, ou seja, ao invés de Ensino de 1º e 2º Graus, respectivamente, Ensino Fundamental e Médio.
[3] Esta posição foi revista pelo autor em artigos e trabalhos posteriores.